"Os Valores são os princípios indiscutiveis, que deverão servir de âncoras e alicerces à construção do que denominamos Ética de Vida.
Nós acreditamos nos Valores que, ao longo dos Séculos, têm dado provas de muito terem contribuido para dar sentido, significado e dignidade à existência humana.
Assim sendo, o Pai que somos, tem por imperativo moral de transmitir, da melhor forma que sabe, esses princípios aos seus descendentes."

Miguel Lencastre em "De um Pai para os Pais do Presente e do Futuro" - 2010

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

A "Conceição" na cidade de Braga

Escrito por Rui Ferreira, publicado na secção temática "Trilhos Braguenses" do Diário do Minho a 04.12.2017

O último significativo espaço de culto devotado à Conceição de Maria surgiu em 1924. O Seminário Menor, instalado sobre o antigo recolhimento dominicano de Tamanca, foi uma iniciativa do Arcebispo D. Manuel Vieira de Matos.

O culto de Nossa Senhora da Conceição encontra um profundo enraizamento na cidade de Braga. Numa pastoral enviada a toda a Arquidiocese de Braga em 1904, o Arcebispo Primaz D. Manuel Baptista da Cunha afirmara que “esta nossa cidade de Braga a nenhuma outra cedeu o lugar de devotíssima deste santo mistério, muito antes de definição dogmática”. A afirmação, que podia aparecer como mera apologética, acaba por encontrar na história uma profícua verificação.

Se o santuário do Sameiro se afirmou inequivocamente como o mais relevante centro de devoção à Imaculada Conceição em Portugal, antes da sua fundação já na cidade de Braga existiam inúmeros focos desta invocação. A 24 de fevereiro de 1647 a cidade de Braga foi consagrada a Nossa Senhora da Conceição, dando sequência ao que já havia ocorrido no sínodo da diocese ocorrido uma década antes.

O século XVI terá sido o momento em que esta invocação mariana foi introduzida na cidade de Braga, mais propriamente por intermédio de D. João de Coimbra, o Provisor do Arcebispo D. Diogo de Sousa. A capela de Nossa Senhora da Conceição, mais conhecida pelo nome da família que a edificou, é a primeira manifestação significativa deste ideário devocional.

A chegada dos franciscanos à cidade de Braga em 1523 haveria de precipitar uma progressiva implantação deste culto. Primeiro no convento dos capuchos da Piedade em S. Jerónimo de Real, no século seguinte com a fundação de um convento de inspiração franciscana denominado “da Conceição” na antiga rua dos Pelames e, na mesma centúria, com a edificação da igreja dos Terceiros cujo padroado está confiado a Nossa Senhora da Conceição. Ao mesmo tempo, em diversos espaços de culto ia sendo instaurada a devoção “nacional”, que o rei D. João IV proclamava padroeira de Portugal a 25 de março de 1646.

Na ancestral porta medieval de Santiago haveria de surgir o mais importante núcleo devocional de Nossa Senhora da Conceição, cuja imagem haveria de ser declarada “especialíssima defensora da Augusta Braga”. O Oratório de Nossa Senhora da Torre, que haveria de ser monumentalizado sob projeto de André Soares após o terramoto de 1755, encontra-se instalado naquela torre medieval desde meados do século XVII.

A capela do Paço do Arcebispo, edificada no início do século XVIII, também iria adotar como padroeira de Nossa Senhora da Conceição. No mesmo período é fundado o convento da penha de França, devotado à mesma invocação.

Um dos espaços mais relevantes do culto a Nossa Senhora da Conceição existentes na cidade de Braga foi, durante um período significativo, uma ermida sob esta invocação localizada no chamado “Monte das Penas”, que haveria de tornar-se na sede da paróquia de Maximinos após a demolição da primitiva “parochial”.

Os principais templos da cidade de Braga acabaram por ver refletida esta invocação mariana, nomeadamente os que estavam adstritos às ordens religiosas masculinas. Os carmelitas, historicamente fiéis à causa imaculista, exibem no interior do seu templo uma capela lateral dedicada a esta invocação. A igreja do Pópulo detém igualmente uma elegante capela lateral do período barroco instituída sob esta devoção mariana. Também a igreja do antigo Colégio de São Paulo possui uma capela lateral devotada a Nossa Senhora da Conceição inserida numa rara iconografia da árvore de Jessé.

Para completar o périplo pelos conventos masculinos bracarenses, falta abordar os Congregados, antigo convento dos oratorianos. Nas dependências do templo exibe-se um pequeno oratório, denominado de capela do Monge, que impressiona pelo requinte decorativo. Devotado, segundo as crónicas, a Nossa Senhora Aparecida, exibe no seu retábulo uma imagem mariana cuja representação iconográfica corresponde à de Nossa Senhora da Conceição. Além do convento, os Oratorianos possuíam uma “casa de campo para sua recreação”. Localizava-se no lugar das Goladas, e detinha uma ermida devotada a Nossa Senhora da Conceição.

Também a Sé Primaz possuía uma especial veneração a Nossa Senhora da Conceição. No antigo claustro de Santo Amaro, desmantelado aquando das obras promovidas pela DGEMN, existia um oratório sobre a porta da capela de São Geraldo devotado a esta invocação mariana, que havia sido instituída em 1606 pelo Cónego Francisco da Costa, o mesmo que esteve na origem do surgimento da Ordem Terceira na cidade de Braga.

A fundação do santuário do Sameiro a partir de 1863 haveria de confirmar esta especial predileção bracarense pela devoção a Nossa Senhora da Conceição. Erigido em comemoração do dogma da Imaculada Conceição, tornar-se-ia num dos maiores centros de devoção mariana em Portugal.
Apesar de Vila Viçosa deter a imagem mariana coroada pela mão do monarca português e de Coimbra lhe ter consagrado a mais antiga academia nacional, não sobram dúvidas de que foi a cidade de Braga a que mais testemunhos acumula desta tão discutida invocação e também a que lhe dedica maior vitalidade.

Retábulo da Capela dos Coimbras, dedicado a Nossa Senhora da Conceição,
ladeada por sua mãe Santa Ana (à direita) e seu pai São Joaquim (à esquerda)

Um debate secular
Uma mulher vestida de sol, coroada com doze estrelas, esmagando uma serpente e com a lua debaixo dos pés. Prevista no pensamento divino desde toda a eternidade, nela se cumpriu o projeto de salvação da humanidade que os judeus anunciaram ao longo de séculos. Debatida ao longo de séculos, a sua conceção isenta de mácula vai tornar-se uma problemática sobretudo filosófica e teológica. Apesar das divergências racionais e da ausência de fundamentação bíblica, a conceção imaculada de Maria começou a ser celebrada nomeadamente no Oriente. A partir da Idade-Média os franciscanos vão propagar esta devoção nos lugares onde detinham singular influência. Seria precisamente um Papa franciscano, Sisto IV, quem no ano de 1477 haveria de integrar a festa de Nossa Senhora da Conceição no calendário litúrgico. A constituição apostólica “Sollicitudo Omnium Ecclesiarum”, publicada por Alexandre VII a 8 de dezembro de 1661, limitaria a dialética que a proclamação dogmática “Ineffabilis Deus”, empreendida pelo Papa Pio IX em 1854, encerraria.

* Texto escrito em conformidade com o novo acordo ortográfico.

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